"Talvez todas as mortes sejam milagre, se estiverem à espera os santos"

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'Educação da Tristeza' nasceu nada mais, nada menos do que da morte. Ainda que tenha confessado preferir não ter "motivos para escrever tal coisa", a transformação do luto do galardoado autor Valter Hugo Mãe em literatura foi-lhe imposta "pelas circunstâncias": a morte do sobrinho, Eduardo, e da artista plástica Isabel Lhano, "a pessoa eventualmente com quem mais [conversou] a vida inteira". É a eles que a obra é dedicada, ditando o início de uma coleção de não-ficção devota a um "certo universo mais meditativo" e "à procura da vida como ela acontece".
Pelo meio, a coletânea de textos recorda os demais defuntos do escritor, entre eles o seu próprio pai que, volvidos 25 anos da morte, "tem ainda muita serventia" e "pode ser tão intenso que interfere com tudo". É que, à semelhança do que sucede com Eduardo e com Isabel, Valter Hugo Mãe ainda coloca o 'senhor Jorge' "em prática" nos seus gestos, pensamentos e ações, "por o conhecer, por poder pressentir o que faria, o que diria, como gostaria que as coisas estivessem".
Aliás, tal como contou ao Notícias ao Minuto, nos seus "gestos está contida uma ação que também lhes pertence e que, inclusive, pode pertencer-lhes por completo", já que "tudo o que possam ser ainda as pessoas que perdemos somos nós". Contudo, e apesar da "pura violência" da saudade, a ausência acaba por despertar o amor, a alegria e a gratidão de aquelas pessoas terem existido, dando azo a "uma festividade associada a lembrarmo-nos das pessoas que amamos". Acima de tudo, Valter Hugo Mãe pretende que os seus mortos "signifiquem alegria, signifiquem orgulho, signifiquem ainda a [sua] felicidade".
A morte é inevitável, a morte aconteceu, não tenho como lutar contra o que é factual, mas não quero que a Isabel e que o meu sobrinho existam na minha vida como uma dimensão triste. A tristeza parece desprestigiá-los, parece desrespeitá-los. Quero que eles signifiquem alegria, quero que eles signifiquem orgulho, quero que eles signifiquem ainda a minha felicidade
'Educação da Tristeza' é o primeiro volume da coleção de não-ficção 'Escola É Casa Aberta'. Porque é que optou por abordar o luto, a ausência e a tristeza neste arranque?
Este livro foi-me imposto pelas circunstâncias. Preferia não ter de o escrever, de não o ter escrito, de não ter motivos para escrever tal coisa, mas o que aconteceu tem que ver com estes últimos três anos. A minha forma de existir passa muito por transformar tudo em literatura; é o meu modo de conhecer o mundo, de me conhecer e de me aguentar, de alguma forma. Julgo que uso os livros, que uso a literatura – não só a que escrevo, mas também a que leio – para me alicerçar, para me robustecer, para entender. Escreve-se para saber e eu queria saber, precisava de saber.
É verdade que há uns anos que tenho a intenção de suspender um pouco a ficção e entrar no ensaio, num certo universo mais meditativo, onde a ficção não seja fundamental ou não desempenhe um papel fundamental, mas acabei por precipitar, digamos assim, a experiência da não-ficção por causa dos factos, por causa da pressa que a vida tem em nos mudar os planos e em nos entregar aquilo de que não estávamos à espera.
Transmite logo no início a noção de que a alegria deve ter intrínseca à dor e "repartida pela eternidade". Escreveu, inclusive, que as "nossas pessoas eternas têm de significar alegria porque jamais aceitarei que o meu pai ou o meu sobrinho, a Isabel ou o meu irmão signifiquem tristeza". Ao fim e ao cabo, é essa a génese do luto, não é? Recordar os nossos com alegria, apesar do sofrimento visceral que a ausência provoca.
A saudade, a falta, a ausência, ela tem vários estádios. Tudo é mutante, tudo vai cambiando. A saudade, num primeiro tempo, tem sobretudo que ver com uma falha, com uma rotura ou uma fratura, que é pura violência e, por isso, que só nos oferece uma espécie de destruição. Mas, paulatinamente, a saudade vem despertando uma certa festa. Há uma festividade associada a lembrarmo-nos das pessoas que amamos, das pessoas que nos pertenceram. Por isso, mais do que a saudade dizer respeito a termos perdido alguém, ela diz respeito a termos amado alguém. É como se ela contivesse uma festa à espera; é uma festa que não pode ser imediata, mas que está contida no conceito, está contida no sentimento. Ela vai paulatinamente chegando à frente.
As pessoas que fui perdendo, fui perdendo em tempos distintos; desde logo o meu pai, que morreu há 25 anos. Depois da experiência tremenda destes dois últimos anos, queria muito que o meu sobrinho e a Isabel fossem o mais depressa possível uma alegria da minha vida. A morte é inevitável, a morte aconteceu, não tenho como lutar contra o que é factual, mas não quero que a Isabel e que o meu sobrinho existam na minha vida como uma dimensão triste. A tristeza parece desprestigiá-los, parece desrespeitá-los. Quero que eles signifiquem alegria, quero que eles signifiquem orgulho, quero que eles signifiquem ainda a minha felicidade.
Claro. Teve a experiência da morte do seu pai quando era muito novo, portanto, se calhar, tinha outros alicerces para lidar com estas perdas. Mas, no início, é muito difícil ver que continua a haver alegria. Como é que lidou com isso?
No início, é muito difícil acreditar que vamos voltar a uma alegria, porque não existe normalidade. A morte é uma aberração; é aberrante, é ofensiva, por isso ela cria em nós uma ideia de profunda injustiça. Tenho para mim que a mais insuportável das vidas é a vida injustiçada. Podemos ir suportando grandes desafios, mas tudo se torna quase desumano a partir do momento em que perspetivamos o que nos acontece como algo profundamente injusto. O sermos injustiçados retira-nos a dignidade humana. É um confronto com a falta de dignidade e a morte parece trazer-nos isso, humilha-nos. A dor é tanta, o sofrimento é tanto, que imediatamente somos levados a uma humilhação. É muito importante que criemos outros significados para as coisas.
Podermos ainda aceder à felicidade não significa que possamos aceder a uma felicidade impune, por isso vamos ter acesso a uma felicidade que tem um preço, que paga um preço, porque a felicidade contém em si mesma uma consciência da tristeza. Não é possível afastarmos a consciência da tristeza, mas é muito importante que saibamos que a felicidade, sendo mais complexa, ou que a justiça, sendo mais complexa, é possível. Talvez não acredite que possamos instalar a felicidade como um sentimento estável – a felicidade vai dizer sempre respeito a períodos mais ou menos curtos da nossa vida – mas, pelo menos, precisamos de alcançar a justiça, precisamos de alcançar um instante, que é muito importante que seja estável, e chegar a uma situação que nos permita encarar a nossa vida como uma vida justa, como a vida de alguém a quem foi feita alguma justiça.
Até também como forma de honrar quem perdemos.
Sim. É comum que se diga isto, mas tudo o que possam ser ainda as pessoas que perdemos somos nós. Nós somos tudo o que as pessoas farão agora. Tudo o que o meu sobrinho e a Isabel farão sou eu que faço. Eu sou o que eles fazem.
É o portador da memória deles.
É, da memória e do gesto. Eu posso, de algum modo, perpetuar ou prolongar – porque também acabarei – o gesto deles; por os conhecer, por poder pressentir o que fariam, o que diriam, como gostariam que as coisas estivessem. Por isso, nos meus gestos está contida uma ação que também lhes pertence e que, inclusive, pode pertencer-lhes por completo. Poderei fazer várias coisas que não faria se a Isabel estivesse aqui. Até posso ser muito concreto: a Isabel era pintora, ficou de agradecer a uma ou duas pessoas, oferecendo-lhes um quadro. Eu sabia disso, talvez mais ninguém soubesse disso, e ofereci dos meus quadros da Isabel, da minha coleção. Ofereci eu, porque a Isabel não está mais cá para cumprir aquela promessa. Não é que me compita cumprir todas as coisas que a Isabel gostaria de ver cumpridas, mas poder fazê-lo deixa-me muito orgulhoso e cria-me uma certa paz por poder imaginar que, ela não estando, as coisas acontecem segundo a justiça dela.
De facto, o livro tem um aspeto bastante alegre, que vai desde os desenhos às cores garridas. Foi também nesse intuito de "fazer a alegria", como denominou o primeiro capítulo?
Sim. Uma das coisas que era comum na relação com o meu sobrinho era fazermos desenhos. Tenho muitos desenhos feitos pelo meu sobrinho. Sobretudo quando ele era bem pequenino, com três anos de idade, ficava a cuidar dele e ele passava as tardes a fazer bonecos. E a Isabel era pintora, por isso motivava-me muito a desenhar. Não sou artista plástico, não sou propriamente talentoso, mas a Isabel sempre me motivou a desenhar; ela sempre teve a convicção de que as pessoas, se exercerem o desenho, terão resultados interessantes.
Tivemos milhões de conversas sobre o assunto e ela era muito entusiasta e engraçada, tudo nela propendia para a festa. Não foi um plano inicial, mas a editora perguntou-me se não acharia que poderia ser interessante incluir alguns desenhos meus e acho que tem mais que ver com uma bravura que a Isabel gostava que eu tivesse. Gostava dos meus desenhos, dizia que eu devia perder a vergonha deles e achei que a Isabel ia gostar que eu tivesse a coragem de encher o livro de bonecos. A Isabel tinha o cabelo vermelho, tratávamos a Isabel como 'a mulher fósforo', 'a mulher de fogo', então o livro é entre o vermelho e o azul para aludir à Isabel e ao meu sobrinho.
É muito estranho que a pessoa eventualmente com quem mais conversei a vida inteira de repente não esteja capaz de fazer as suas próprias deixas, que tenha de ser eu a completá-las no nosso diálogo, o que eu acho muito indecente
Detalhou vários episódios da sua vida com Isabel, entre eles quando sentiu o quadro de Albuquerque Mendes ser puxado para trás. Disse, até, e passo a citar: "Sei que estás na morte, mas isso jamais me impedirá de te esperar." Continua à espera? Já teve outros sinais?
Continuo à espera. Estou muito perplexo com o desaparecimento dela, parece-me impossível. Parece que estamos de birra; estou muito zangado com ela e parece os períodos da vida em que estávamos de birra. Normalmente, quando estávamos embirrados um com o outro, demorávamos três, quatro dias [a reconciliarmo-nos]. Não sei se estivemos mais do que quatro dias chateados. Nunca nos zangámos no sentido de achar que deixaríamos de ser amigos, íntimos e próximos. Havia uma convicção de que, acima de tudo, éramos família e estávamos juntos para sempre. A morte dela, do meu lado, traz uma ofensa; como se estivesse mais do que imediatamente triste, estivesse verdadeiramente furioso, querendo encontrar um culpado que, no imediato, parece ser ela, e claro que não é.
Dá-me esta impressão de que estamos numa discussão e este livro passa muito por isso, por essa impressão de que ainda temos diálogo a fazer, que ainda estamos a ter uma conversa, na maneira como escrevo sobre ela. Parece-me impossível que ela não me responda, não faça nada, não me dê prova de que entendeu alguma coisa. Ou que, pelo menos, venha pedir desculpa e dizer, "olha, baby, desculpa e está tudo bem". É muito estranho que a pessoa eventualmente com quem mais conversei a vida inteira de repente não esteja capaz de fazer as suas próprias deixas, que tenha de ser eu a completá-las no nosso diálogo, o que eu acho muito indecente.
Portanto, está frustrado com a Isabel, com o universo, ou com os dois?
Com tudo. Quantos mais culpados eu encontrar, mais culpados eu vou acusar. Mas tem qualquer coisa de zanga, porque vem de uma perplexidade, de um absurdo, de uma falta de sentido. Que falta de sentido, a grande conversadora da minha vida, como não me responde? Essa história do quadro do Albuquerque Mendes é muito sintomática. É claro que poderá ter sido uma palermice qualquer, mas foi tão no instante certo, como faríamos alguma coisa entre um e outro, que não posso encarar como uma absoluta normalidade. É uma bizarria que a mim me pareceu na altura. Devo dizer que houve qualquer coisa em mim que se alegrou e pensou, "olha, afinal a mulher fósforo está em qualquer lado a perceber o que isto é, que coisa parva estamos nós a passar por causa dela ou por causa do universo". Talvez ela tenha querido dizer-me algo: "Olha, aligeira as coisas, porque eu estou a ver. Não vamos conseguir ir dançar para os Maus Hábitos, mas ainda estou aqui. Se fores dançar para os Maus Hábitos, vou ver, vou saber."
Agora, acho que ela tinha a obrigação de ser mais inequívoca e de me aparecer, nem que fosse vestida de lençóis brancos, para me assustar um bocadinho. Mas que fosse mais inequívoca, que viesse esclarecer-me, dar-me satisfações e pedir desculpa. Aliás, agora já nem preciso que ela me peça desculpa, mas que apareça, que apareça de uma maneira mais frontal, como ela era. Estava sempre a dizer que era frontal, então que seja mais frontal, que tenha uma morte frontal, mais decente. Que me apareça num festival de verão, nem que seja ao longe, para eu a ver a dizer, "Valter, estou aqui".
Admirava muito o Eduardo. Acho que ele tinha um perfil muito sui generis e estou convencido de que, embora tenha tido apenas 16 anos de vida, maturou muito mais do que tanta gente que chega, talvez, aos 100. Entendeu o essencial e focou no essencial. Deixou à mãe um conjunto de condutas para que todos ficassem melhor, como se estivesse a deixar um testamento; não um testamento com as tralhas, mas com o brio da humanidade
Sei que é cético no que diz respeito a Deus, mas os nossos átomos não desaparecem; portanto, ela estará aqui, assim como o seu sobrinho e o seu pai. Temos de acreditar nestas pequenas coisas, para continuar a viver.
Às vezes, fico a achar que a inteligência pode estar toda também na fisicalidade. Porque não? O corpo não é destituído de inteligência. O corpo em si também tem memórias; há coisas que claramente aprendemos, mas outras são emanações do próprio corpo. O corpo sabe essas coisas sem que tenhamos de o instruir, informar, amestrar. Por isso, há qualquer coisa que já veio preparada na própria matéria, que já pertence à própria matéria. Seria maravilhoso que a matéria, decompondo-se, entregasse aquilo que sabe a outros organismos e que, de alguma forma, possamos estar aí para ser refeitos, reencontrados, reorganizados, reagrupados.
O pior é que, emocionalmente, quem cá fica não está preparado para lidar com essa bruta falta.
Pois, porque as pessoas não nos falam. Sentimo-las tão perto. É tão impossível acreditar que elas não estejam em lado nenhum. A impossibilidade de acreditar que elas não estão em lado nenhum tem que ver com o facto de as sentirmos tão perto. Embora não possamos evidenciar a sua presença, também não conseguimos apagar a impressão ou o pressentimento de que elas estão ali ao virar da porta.
Também dedicou o livro ao seu sobrinho Eduardo, de cujo génio deu um vislumbre. Aliás, confessou que, "comparados com o Eduardo, todos nós fomos sempre uns parvalhões". Acha que foi por esta proximidade com a morte em tenra idade que ele educou "até Deus"?
O Eduardo era um menino maduro. Sempre foi uma criança bastante calma, contemplativa, pensante, observadora. Precisava de poucas palavras e adorava ter companhia, mas bastava-lhe a presença. Adorava ouvir as conversas dos outros, não sentia necessidade de ser ele a expressar-se, de ter de ocupar o centro de alguma atenção. Gostava de assistir ao que os outros eram, mas não chamava muito à atenção. Acho que isso foi sempre um sinal de muita maturidade de uma criança que lidou perfeitamente com o que poderia ser uma carência.
Admirava muito o Eduardo. Acho que ele tinha um perfil muito sui generis e estou convencido de que, embora tenha tido apenas 16 anos de vida, maturou muito mais do que tanta gente que chega, talvez, aos 100. Entendeu o essencial e focou no essencial. Deixou à mãe um conjunto de condutas para que todos ficassem melhor, como se estivesse a deixar um testamento; não um testamento com as tralhas, mas com o brio da humanidade. Ele, sozinho, descortinou o que verdadeiramente era fundamental.
Ele era muito apaziguado, alcançou bastante paz. Se alguma coisa o pudesse afligir, era mais o perceber que nos poderíamos descontrolar, e não alguma possibilidade de ele próprio se descontrolar, e isso é muito incrível para uma criança. Ele sempre soube [que estava a morrer]. Dizia que era um pessimista, não porque viver fosse horrível, mas porque as estatísticas e a ciência ensinam que todos havemos ter tendência para adoecer; inclusive os índices mostram um créscimo tremendo de casos de cancro. Como se considerava um indivíduo de olhar aberto ao mundo, achava até que havia uma certa lógica em ter sido escolhido para um desafio daqueles. O que acho que ele estava a dizer é que, de alguma forma, sabia o suficiente do fundo da vida para poder enfrentar uma coisa destas. Qualquer outra criança ficaria, à partida, completamente desnorteada, em pânico, sem encontrar qualquer sentido para a sua existência. O Eduardo teve sentido até ao fim e continua a fazer sentido. Deixou-nos sentido e continua a ser uma lição.
Quem passa por uma perda tão grande assim tem noção do quanto devemos agradecer à vida e do quanto devemos estar gratos por todos os instantes da vida. Adoraria que o Eduardinho estivesse vivo, adoraria que a Isabel estivesse viva, mas o que me fica é a gratidão por eles terem existido. É um pouco o que dizia no início, não quero pensar neles e lembrar-me primeiro da tristeza
É interessante que ele fosse assumidamente pessimista. Podemos argumentar que os pessimistas são os realistas nesta sociedade que vê tudo como positivo, onde tem de ficar tudo bem e tudo tem de estar bem.
Parece ser uma sociedade que recusa as evidências do terrível, daquilo que se perde, que se arrisca. Temos tendência para instalar uma espécie de dimensão publicitária da existência, em que tudo propende para fazer de conta que é bom, como na publicidade. Na publicidade, toda a gente está feliz e, se não estiver feliz, apresentam o produto que vai proporcionar a felicidade. Temos tendência para seguir esse lado cosmético da existência e a verdade é que toda a gente sofre, todas as famílias são perturbadas por grandes aflições, injustiças e maldades. Talvez saibamos perfeitamente que, debaixo das máscaras, todos estamos à mercê e a todos compete enfrentar essa agrura. O Eduardo não aceitou as máscaras e esteve de frente com o seu inimigo, o seu predador, e acho isso muito admirável e corajoso.
Lá está, talvez por ter sido tocado pela morte tão novo. Parece que há uma linha a separar quem já foi tocado pela morte de forma avassaladora de quem ainda não foi; há uma maior abertura para encarar a vida como ela é.
É uma perceção que acho que tem que ver sobretudo com alguma gratidão. Quem passa por uma perda tão grande assim tem noção do quanto devemos agradecer à vida e do quanto devemos estar gratos por todos os instantes da vida. Adoraria que o Eduardinho estivesse vivo, adoraria que a Isabel estivesse viva, mas o que me fica é a gratidão por eles terem existido. É um pouco o que dizia no início, não quero pensar neles e lembrar-me primeiro da tristeza. Quero pensar neles e lembrar-me primeiro da felicidade de eles terem existido, de terem sido pessoas que amei e, eventualmente, que me amaram. Isso é, para mim, profundamente sanador e curativo, porque é a consciência da gratidão pelos instantes todos.
Posso continuar a sair à rua, posso falar deles, apreciar o incrível sol deste verão e ver a praia, como os jovens e as crianças correm atrás uns dos outros, alegres e a parecerem impunes de tudo, e isso é algo que não me deve magoar, deve trazer-me sobretudo uma responsabilidade de me manter grato. Fico mais só, obviamente; não posso telefonar à Isabel e dizer o que fiz e o que vou deixar de fazer, o ansioso que estou por voltar a casa e estar com ela, mas posso pensar na Isabel e lembrar-me dela. Lembro-me muito de uma coisa que a Pilar del Río disse quando morreu Saramago: "Chorar, chorem aqueles que não o conheceram. Esses, sim, são verdadeiramente os tristes." Verdadeiramente, os tristes foram os que não puderam conhecer a Isabel, que não puderam conhecer o Eduardinho.
Recordou-me de outra passagem do livro, na qual dizia que estava "a proibir aos prantos" e a disfarçar-se "de algodão". Portanto, não gosta de – ou recusa-se a – chorar por eles?
Já chorei, já chorei. Mas isso tem muito que ver com o facto de as pessoas, querendo lidar com o seu próprio luto, terem tendência a achar que o momento certo para desmoronar é junto de mim. Eu sou a pessoa que precisa mais de não desmoronar. Eu e o Luís, filho da Isabel. Junto de nós é onde as lágrimas já foram secando e, se houver, procuramos que elas aconteçam às três da manhã. Qualquer pessoa que possa desmoronar junto de mim, no fundo faz-me um convite para eu desmoronar também. E a Isabel odiava tristeza, era absolutamente aversa a todos os rituais de lamentação e saudade. A Isabel não fazia um gesto em prol do culto da tristeza. Ela queria festas e sempre disse, "baby, um dia que eu morra, vocês façam uma festa; chamem um DJ e rebentem com tudo." Estou sempre a dizer isso às pessoas. A Isabel odiava flores cortadas, odiava que matassem as flores para as porem numas estúpidas jarras durante três ou quatro dias. A Isabel odiava tudo o que fosse eminentemente um gesto para a morte e de culto da morte.
Também é muito sábio, porque devemos celebrar as pessoas enquanto elas estão aqui.
Sim, ela estava sempre a dizer que, quando estivesse morta, não interessava nada. Claro que a nós nos interessa e quero muito voltar a fazer exposições da obra dela, conseguir que as pessoas que têm quadros os emprestem para podermos mostrar a obra dela, e quero muito fazer festas. A Isabel era incapaz de não celebrar o aniversário dela, adorava fazer anos e parecia não envelhecer; estava sempre em modo de catraia e era mesmo muito festeira. Isso é uma coisa que acho que temos de fazer, não é aparecermos no aniversário dela e as pessoas carpirem porque se lembram, ou porque as saudades ainda doem. Temos de nos juntar e dizer só asneiras, dançar muito e pôr a música muito alta, rock muito pesado, e sairmos com os cabelos todos vermelhos.
E já fizeram essa festa?
Fizemos no primeiro aniversário em que ela não esteve, comigo a mandar as pessoas parar de chorar. Tínhamos um microfone e estive sempre a falar como falaria a Isabel e a dizer, "babies, ninguém chora aqui, isso não é um velório, é uma festa de anos, por isso estamos a celebrar a vida da Isabel; não vamos, jamais, celebrar a morte". Mas vamos fazer muitas festas. A Isabel era muito carismática, popular, e muitos dos amigos dela também são assim e entendem perfeitamente a necessidade de nos alegrarmos uns aos outros.
Atravessamos a vida com experiências que são distintas e, por mais que eu adore o meu sobrinho, não teria sequer o direito de me comparar com o pai e a mãe. Vejo as coisas assim; parece que as pessoas foram para um país ou um planeta onde estão só elas. Talvez as possamos avistar, mas não podemos ser habitantes daquele planeta
Apesar de tudo, no que diz respeito ao seu sobrinho, escreveu, e passo a citar: "Se deus me desse a morte para salvar nossa criança, minha morte seria um milagre, essa dádiva sem tamanho." Portanto, queria ir no lugar dele.
Sim. Já viu a ideia de alguém morrer por milagre, ao invés de morrer pela tragédia de ter a vida terminada, simplesmente? Todos nós vamos morrer de alguma forma, mas quem é que tem a sorte de morrer por milagre? Talvez todas as mortes sejam um milagre, se houver um paraíso e se estiverem à espera de nós os santos e os anjos. Mas se inequivocamente alguma coisa me mostrasse que, a um pedido meu, o meu sobrinho se salvava, em troca de me escolherem a mim, seria incrível. Morreria até com a certeza de que haveria alguém à minha espera. Teria a prova da transcendência e morrer haveria de ser também uma forma de felicidade.
O meu choque passou por ele ser muito miúdo. Por mais maturidade que lhe pudesse reconhecer, faltavam-lhe experiências concretas da vida. Viagens, por exemplo; não chegou a viajar para quase lugar nenhum, a ver como é que eram as coisas que admirou à distância, encontrar pessoas que poderia ter gostado de conhecer, e a vida não lhe deu essa oportunidade. Ele pareceu-me muito apaziguado com isso, mas talvez lhe tenha sido mais fácil a ele apaziguar-se do que a nós. Eu, com mais de 50 anos, sei o que a vida me ofereceu dos 16 para cá. Para um miúdo de 16 anos, o futuro é uma abstração, uma espécie de coisa vazia, onde tudo pode e não pode. Pode ser um tempo de muitas maravilhas, como de tantos horrores. Claro que preferia mil vezes que ele pudesse estar aí, ainda que eu estivesse de estar neste momento deleitado no paraíso. Se calhar as vantagens eram só minhas.
Considerou que as mães e os pais dos mortos "são imigrantes que carregam uma cultura que pressente a cultura de seus semelhantes, mas não se torna absolutamente igual". Comprovou esta ideia com o seu irmão e a sua cunhada?
Sim, é algo que me aflige. Todos nós conhecemos casos e impressionou-me muito, por exemplo, o caso da Judite Sousa. Na altura, fiquei muito chocado e enternecido pela figura da Judite Sousa, que não conhecia pessoalmente. Subitamente, de cada vez que via a Judite Sousa, toda ela era um enigma, toda ela era estrangeira, parecia não podermos coincidir no mesmo país, não estávamos no mesmo território, parecíamos animais de espécie distintas.
Convidamos as pessoas ao regresso, mas imagino que a experiência deles [irmão e cunhada] seja tão extrema que, talvez, nunca por completo possamo-nos comparar. Não significa que não possam voltar e estar connosco, mas não temos como nos comparar. Atravessamos a vida com experiências que são distintas e, por mais que eu adore o meu sobrinho, não teria sequer o direito de me comparar com o pai e a mãe. Vejo as coisas assim; parece que as pessoas foram para um país ou um planeta onde estão só elas. Talvez as possamos avistar, mas não podemos ser habitantes daquele planeta.
É tão antinatural, que as línguas não inventaram sequer uma palavra para isso. As crianças, quando perdem os pais, ficam órfãs. As pessoas, quando perdem o cônjuge, são viúvos. Os pais, quando perdem os filhos, não têm nome. Não é da natureza, não é expectável, é um absurdo. As línguas não quiseram ter um nome para isso, porque não queremos isso. É uma forma de criar uma escuridão tal, que parece sugerir que isso não pode acontecer, não vai acontecer. Se não tivermos vocábulo, não temos como chamar uma situação dessas, porque a intenção é que não aconteça.
Sempre sinto que, em momentos fundamentais, eu sei o que o meu pai diria. É sempre sem contar; não é uma coisa de toda a hora, de todos os dias. É um determinado instante da minha vida em que penso assim, "o senhor Jorge, neste momento, viria aqui dizer isto ou dizer aquilo". Eu sinto o instante certo em que aquele homem se haveria de manifestar e, por isso, eu coloco o meu pai em prática
Identifiquei várias fases do luto no livro e uma delas foi das mais cruéis, que é esquecermo-nos, ainda que por instantes, que a pessoa, no caso o seu pai, está morta. Escreveu até que "um pai morto tem ainda muita serventia" e que "pode ser tão intenso que interfere com tudo". De que forma é o seu pai ainda interfere com tudo?
O meu pai era parecido comigo e, inclusive, com o Eduardinho. Era um indivíduo metido com ele, com os seus assuntos e de pouca intervenção. Quando dizia alguma coisa, de costume era sempre alguma coisa estrutural. O meu pai intervinha quando achava que estavam em causa questões de fundo; o que era a gestão dos dias, as nossas preferências, os gostos e desgostos, isso era tudo deixado à gestão de cada um. Quando se tratava de um gesto de maior sobrevivência, que tivesse mais que ver com o juízo da vida inteira, aí o meu pai tinha alguma coisa para dizer.
Sempre sinto que, em momentos fundamentais, eu sei o que o meu pai diria. É sempre sem contar; não é uma coisa de toda a hora, de todos os dias. É um determinado instante da minha vida em que penso assim, "o senhor Jorge, neste momento, viria aqui dizer isto ou dizer aquilo". Eu sinto o instante certo em que aquele homem se haveria de manifestar e, por isso, eu coloco o meu pai em prática. O gesto do meu pai ainda é possível, porque eu sei qual seria e sei exatamente quando é que ele viria a fazer qualquer coisa. Penso: "O senhor Jorge, agora, faria assim, por isso é o que devo fazer, porque é o que vai dar certo."
Há qualquer coisa na observação dos pais sobre os filhos que é triplamente ajuizada, porque acho que eles têm o juízo que lhes pertence por direito, por serem pessoas como nós, que olhamos as coisas, mas têm o juízo de saber quem somos, e não só nos observam como objetos, mas observam-nos como se estivessem de dentro do objeto, porque a nossa identidade está muito nas mãos deles. E ainda têm uma terceira observação, que acho que é uma espécie de dádiva divina, que vem de uma profunda intuição, de um pressentimento que radica numa intensidade tão grande do amor, que faz com que os pais e as mães normalmente saibam coisas que os outros cientistas jamais saberão. São cientistas capacitados para o cuidado dos seus próprios filhos, mais do que, por vezes, a NASA. Essa passagem é verdade, porque consigo pôr em prática e entender perfeitamente dessa capacidade de observação, que haveria de marcar presença.
Tinha 28 anos [quando o pai morreu] e, na altura, fica-se tão atarantado. Eu achava que a minha mãe tinha de ser dupla, porque tinha de fazer o que lhe competia, e o que competia ao meu pai. Era a primeira impressão, profundamente egoísta, porque era como se quisesse que não me faltasse nada. Depois, fui entendendo mais e mais que a minha mãe, por mais que redobrasse os seus esforços, estava muito ferida. Crescemos a uma velocidade de cruzeiro, subitamente, porque percebemos que até para que a nossa mãe faça o que lhe compete, precisa da nossa ajuda. A nossa vida, enquanto filhos, parece caminhar numa normalização. Em princípio, cresceremos e poderemos refazer a nossa vida, como é mais ou menos esperado. Mas a vida da nossa mãe, ao perder o companheiro, sai da normalidade; vê-se interrompida e é como se regressasse a um estádio que já não era suposto. Há uma espécie de roubo, de crime que é cometido contra as pessoas que ficam. Por mais duro que seja com os filhos, esse crime começa por agredir a esposa ou o marido de alguém que morre. Fui aprendendo isso e tornou-se muito importante para mim focar no cuidado com a minha mãe. Ainda posso ter acesso à vida, a uma felicidade arrebatadora e a uma companhia; a minha mãe, eventualmente, pode ter perdido uma companhia para sempre. Ou somos nós ou pode não ser ninguém.
Mesmo que a relação não seja muito forte, a orfandade tem sempre que ver com o sentirmos que temos uma robustez mais superficial, que no cerne das coisas não temos estruturas. Perdemos aquele pilar e a possibilidade do regresso. Quando falamos em regressar a casa; regressar a casa é regressar às pessoas, não é propriamente às paredes. Voltar a casa é chegar e termos as pessoas que nos conhecem, que sabem de nós, que nos amam, e que identificam as nossas fragilidades e as nossas forças, e onde desmontamos qualquer ficção, onde estamos numa espécie de verdade. Se as pessoas não estiverem, não temos como voltar a casa. A perda das pessoas implica isso, não temos para onde voltar.
O livro também retrata um episódio bastante pesado da trasladação do seu pai, que acabou por não ser possível, por ainda haver "corpo". Que impacto é que ver o seu pai daquela forma teve – ou não – no seu luto?
Foi horrível. Quando penso num fantasma, penso naquela situação. Parecia que estava exposto a uma aparição de um morto como vemos nos piores filmes, nos piores pesadelos. Aquela experiência traz-me isso de terrível, da materialização do morto. A experiência de vermos as pessoas que perdemos no instante da perda é horrenda, mas existe uma semelhança com a vida; o corpo ainda imita a vida, de alguma forma. Dez anos depois não. O que o corpo mostra é a morte em toda a sua profundidade e mais ainda. É redobrada, triplicada, porque é uma morte toda ela feita do macabro, da destruição; é muito duro. Sempre que penso verdadeiramente na perda de alguém, se não me proteger, acabo por rever aquela imagem e é uma imagem muito triste.
Claro, não queremos ter essa imagem do nosso pai, nem de ninguém.
Nem de ninguém. De facto, quando se trata de uma trasladação, estamos à espera de encontrar uma espécie de porcelana do corpo, uma coisa que se limpa, que parece que, depois de consumida pela terra, deixa apenas aquelas pérolas esdrúxulas e bizarras, como se tivessem saído de alguma concha. Quando assim não acontece é muito violento.
Uma das coisas incríveis da morte é que das duas uma: ou existe alguma coisa, vamos para algum lugar e teremos muito para fazer e para aprender, ou então não existe nada e os mortos não saberão que estão mortos. De qualquer das maneiras, estaremos bem. Ou vamos para algum lugar acompanhados, ou não existe rigorosamente nada
Sim, os rituais são muito bonitos e necessários, mas não costumamos pensar nos processos; na decomposição, no caso de a pessoa ter sido enterrada, e na desintegração do corpo pelas chamas, se tiver sido cremada.
Fica-se com a impressão de que estamos diante de algo aberrante e de alguma coisa que se tornou irrecuperável. A sensação que dá quando se sepulta alguém é de que o entregamos a uma espécie de Além, que o corpo evaporou, saiu das evidências. A cremação não tem como; em poucos dias, recebe-se a urna e fica-se com a evidência de que o corpo não pode ter passado para lado nenhum, não foi levado por nenhum milagre, não ascendeu a coisa nenhuma. É toda uma matéria que acabou. Ao mesmo tempo, tem um sentido de conclusão quase imediato e, absurdamente, mais abraçável. Senti muito isso com a Isabel. De repente, podemos estar ao lado dela e não com a impressão de que ela está a passar-nos por baixo dos pés, como se fosse a canalização das casas. Em última análise, podemos decidir pô-la dentro de uma porcelana maravilhosa, ela pode ficar na sala e participar do espaço da casa, onde as pessoas se movem, alegram e conversam, como se ela estivesse ali e não afundada numa coisa qualquer.
E já conseguiu visitar o seu sobrinho?
Já. É muito duro. Vemos a fotografia dele e foram deixados lá alguns dos bonecos que ele gostava. Ele era muito ligado a algumas coisas de cinema animado, japonesas. É muito triste ver os bonecos com que ele brincava ali, meio a desbotar ao sol e à chuva. Achava que alguma criança haveria de roubar os bonecos, mas não. Não me importaria, no sentido de continuarem a servir para brincar, embora talvez gostasse de ver os bonecos outra vez.
Reiterou que, se morrer, quer "que as pessoas se riam", porque ficará "a salvo por fim". A salvo de quê? Da vida? Da dor?
De tudo, de sofrer. Uma das coisas incríveis da morte é que das duas uma: ou existe alguma coisa, vamos para algum lugar e teremos muito para fazer e para aprender, ou então não existe nada e os mortos não saberão que estão mortos. De qualquer das maneiras, estaremos bem. Ou vamos para algum lugar acompanhados, ou não existe rigorosamente nada; sobretudo, não existe a consciência de que já não vivemos. Não saberemos que estivemos vivos, perdemos, amámos, tivemos sonhos, por isso será uma espécie de instalação definitiva do sossego.
No dia em que, de algum modo, desaparece, também estava em todas as livrarias do país e já nas mãos de muita gente. Parecia que se ausentava enquanto pessoa, mas nascia enquanto personagem. É curioso, parece que transcendeu para o livro. Se pudermos dizer que vamos para algum lugar, a dona Luísa foi para dentro de um livro. Talvez os livros pudessem ser um paraíso qualquer, sem ser o céu
E aquelas pessoas que alegam ter tido uma experiência de morte ou de quase morte e que dizem que estiveram no paraíso, não acredita nisso?
Acredito nas pessoas. Não sei se acredito no paraíso, mas nas pessoas acredito. Acredito que tiveram mesmo essas experiências e, por isso, estou expectante. Não me importava nada que assim fosse e que existisse uma transcendência, porque julgo que será sempre um caminho para uma construção. Pode não ser imediatamente a oferta do paraíso como gostaríamos, talvez ainda continuemos a necessitar de sofrer, mas se existirmos poderemos continuar a construir e voltar a ver-nos uns aos outros. Isso seria a minha primeira opção. Se houvesse um referendo para decidir se há um paraíso de uma forma ou outra, gostaria dessa forma, de haver uma transcendência. Mas a hipótese de não haver nada é enorme, o que significa também que não me assusta imediatamente. De facto, é isso, os mortos não sabem que estão mortos.
O livro também tem um 'docinho' sobre o seu último romance, 'Deus na Escuridão', que é fácil de perder. Falou concretamente sobre a senhora Luísa Reis Abreu, que morreu no dia do lançamento da obra.
Foi, a senhora Luísa faleceu exatamente a 18 de janeiro, e era o dia em que o livro era colocado à venda nas livrarias. Foi uma ironia estranhíssima, de uma profunda tristeza, mas também parecia que contradizia o seu desaparecimento. No dia em que, de algum modo, desaparece, também estava em todas as livrarias do país e já nas mãos de muita gente. Parecia que se ausentava enquanto pessoa, mas nascia enquanto personagem. É curioso, parece que transcendeu para o livro. Se pudermos dizer que vamos para algum lugar, a dona Luísa foi para dentro de um livro. Talvez os livros pudessem ser um paraíso qualquer, sem ser o céu. Dá-me algum conforto pensar que uma senhora de quem gosto tanto, de cuja família tenho tanto carinho, ainda soube do livro, recebeu o exemplar dela umas semanas antes. Era um gesto para felicitá-la e alegrá-la.
O que é que os leitores podem esperar da coleção 'Escola É Casa Aberta'?
Há mais de 15 anos que escrevo crónicas e preciso de agrupar alguns textos. Escrevi sobre muitos assuntos e vou escrever sobre muitos assuntos dispersos, e quero usar essa coleção para fazer uma organização de textos que são mais meditativos e que andam um pouco mais à procura da vida como ela acontece, e não tanto da imaginação ficcionada. Vai ser uma série feita de textos curtos e que auscultam todas as dimensões da realidade.
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